Há três anos Saturno entrou em Capricórnio. Em dezembro, Júpiter seguiu a mesma trilha de pedras afiadas, solo hostil às suas habilidades. Os dois planetas mais lentos do céu caminham no domicílio noturno de Saturno, e desde então somos obrigados a pensar em seus assuntos: o frio, a velhice, a morte. “Cada velho que morre é uma biblioteca que se queima”, ensinamento que veio da África, lar da mais antiga de todas as ancestralidades, anciã entre os anciões.Júpiter aflito, sofrendo as duras pedras de Capricórnio, coloca em aflição tudo aquilo que o grande benéfico cuida e protege, templos, professores, médicos, bibliotecas (humanas ou não). Em sua queda, o governante do olimpo foi privado de um de seus atributos mais queridos: receber os visitantes. É ele o protetor dos lares e purificador dos forasteiros, guardião dos deveres de amizade. Júpiter foi sitiado, acuado entre a espada de Marte e a foice de Saturno, e nós, como seu espelho, perdemos a capacidade de recepcionar. Cada um de nós é agora uma montanha fria e solitária. E se toda essa angústia parece terrível e insuportável, o próprio Capricórnio apresenta o caminho. Aguentar é um atributo da cabra, sobreviver nos terrenos mais inóspitos, se adaptar, se alimentar dos cactos espinhosos. A cabra tudo suporta porque conhece as leis de Saturno: até o mais lento dos planetas muda. Hoje Saturno já amanhece em Aquário e traz humores mais quentes e úmidos ao sofrimento que enfrentamos. Descobrimos que podemos manter calor mesmo através da frieza de uma tela, que podemos umidificar o mundo através da ação coletiva, dar de beber ao próximo, preservar e proteger. Cruzamos, com a cabra nos ombros, o rio que corre dentro de nós. Damos de beber a quem nos antecedeu. Saturno vai avançar por mais de um mês na casa do Aguadeiro, com o passo cada vez mais lento… até que vai parar! O tempo também para, suspende, entra em espera. Saturno vai pouco a pouco retornar, revisitar a cabra, até que definitivamente possa caminhar para frente.

Paciência é uma virtude que se aprende grão por grão.Julia Garcia de Oliveira, em quarentena. julia.garcia.oliveira@gmail.com