Glosa

Fernando Pessoa Quem me roubou a minha dor antiga, E só a vida me deixou por dor ? Quem, entre o incêndio da alma em que o ser periga, Me deixou só no fogo e no torpor ? Quem fez a fantasia minha amiga, Negando o fruto e emurchecendo a flor ? Ninguém ou o […]

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Grandes mistérios habitam

O limiar do meu ser,  O limiar onde hesitam  Grandes pássaros que fitam  Meu transpor tardo de os ver. São aves cheias de abismo,  Como nos sonhos as há.  Hesito se sondo e cismo,  E à minha alma é cataclismo O limiar onde está. Então desperto do sonho  E sou alegre da luz,  Inda que […]

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Guia-me a só a razão

Guia-me a só a razão. Não me deram mais guia. Alumia-me em vão ? Só ela me alumia. Tivesse quem criou O mundo desejado Que eu fosse outro que sou, Ter-me-ia outro criado. Deu-me olhos para ver. Olho, vejo, acredito. Como ousarei dizer: «Cego, fora eu bendito» ? Como olhar, a razão Deus me deu, […]

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Ditosos a quem acena

Fernando Pessoa MARINHA Ditosos a quem acena  Um lenço de despedida!  São felizes : têm pena…  Eu sofro sem pena a vida. Dôo-me até onde penso,  E a dor é já de pensar,  Órfão de um sonho suspenso  Pela maré a vazar… E sobe até mim, já farto  De improfícuas agonias,  No cais de onde […]

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Ilumina-se a Igreja por Dentro da Chuva

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,  E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça… Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,  E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro … O esplendor do altar-mor é […]

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Intervalo

Quem te disse ao ouvido esse segredo Que raras deusas têm escutado — Aquele amor cheio de crença e medo Que é verdadeiro só se é segredado?… Quem te disse tão cedo? Não fui eu, que te não ousei dizê-lo. Não foi um outro, porque não sabia. Mas quem roçou da testa teu cabelo E […]

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Isto

Dizem que finjo ou minto Tudo que escrevo. Não. Eu simplesmente sinto Com a imaginação. Não uso o coração. Tudo o que sonho ou passo, O que me falha ou finda, É como que um terraço Sobre outra coisa ainda. Essa coisa é que é linda. Por isso escrevo em meio Do que não está […]

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Liberdade

Ai que prazer Não cumprir um dever, Ter um livro para ler E não fazer! Ler é maçada, Estudar é nada. Sol doira Sem literatura O rio corre, bem ou mal, Sem edição original. E a brisa, essa, De tão naturalmente matinal, Como o tempo não tem pressa… Livros são papéis pintados com tinta. Estudar […]

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Não digas nada!

Não digas nada!  Nem mesmo a verdade  Há tanta suavidade em nada se dizer  E tudo se entender —  Tudo metade  De sentir e de ver…  Não digas nada  Deixa esquecer  Talvez que amanhã  Em outra paisagem  Digas que foi vã  Toda essa viagem  Até onde quis  Ser quem me agrada…  Mas ali fui feliz […]

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O Andaime

O tempo que eu hei sonhado Quantos anos foi de vida! Ah, quanto do meu passado Foi só a vida mentida De um futuro imaginado! Aqui à beira do rio Sossego sem ter razão. Este seu correr vazio Figura, anônimo e frio, A vida vivida em vão. A ‘sp’rança que pouco alcança! Que desejo vale […]

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